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Mídia & Deficiência

Globo terreste com várias mãos segurando

Instrumento de transformação

O Movimento das Pessoas com Deficiência no Brasil desde a década de oitenta se preocupa com o papel da mídia na promoção da inclusão e na construção da imagem das pessoas com deficiência. Durante a Rio 92 foi realizado o primeiro evento internacional para discutir o assunto, no Rio de Janeiro​, promovido pelo CVI - Centro de Vida Independente, uma iniciativa da jornalista Rosangela Berman-Bieler, o DEF-Rio 92.

Em 2003, a ANDI - Comunicação e Direitos, e a Fundação Banco do Brasil - lançou a primeira publicação sobre o tema - Diversidade - Mídia e Deficiência, O texto de apresentação dizia o seguinte:

"Em meio ao cenário extremamente diversificado e dinâmico das agendas de mobilização dos grupos minoritários da sociedade, têm se destacado, nos últimos anos, um novo ideário: aquele que busca promover e garantir a plena inclusão social das pessoas com deficiência.

Em que pese o fato de colocar em primeiro plano a questão dos direitos de um segmento populacional em particular, o atual paradigma inclusivista estimula, sob o crivo de uma ética da diversidade, uma ampla releitura das relações que regem a construção de uma sociedade democrática, se alinhando no fluxo de um crescente movimento internacional de luta contra todas as formas de exclusão social, das mais explícitas às mais sutis e veladas.
 

A trajetória evolutiva dos parâmetros norteadores de suas práticas e posicionamentos políticos – em processo de continua atualização e reinvenção – resulta em um arrojado elenco de propostas que hoje encontra expressão na pauta de trabalho de diferentes agências da Organização das Nações Unidas, e também avança, no caso do Brasil, na formulação de políticas públicas de amplitude nacional, como ocorre na área de educação.

É de conhecimento geral, entretanto, que esse significativo alargamento das fronteiras conceituais do universo dos Direitos Humanos gerado pelo modelo inclusivista não tem se traduzido, nem na abrangência, nem no ritmo desejados, em oportunidades mais justas e equânimes de participação social para as pessoas com deficiência. Historicamente atingidas por graves formas de segregação, em nosso País essas pessoas seguem, em grande parte, invisíveis à maioria das recentes conquistas da cidadania.

O papel da imprensa

É em meio a esse quadro desafiador que o presente projeto desenvolvido pela Fundação Banco do Brasil e pela ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância, busca operar. Acreditamos que apenas com o envolvimento dos diversos setores da sociedade em um debate continuado sobre as questões centrais relacionadas à deficiência será possível reverter o impacto dessa herança discriminatória. Daí a importância fundamental dos meios de comunicação de massa, enquanto agentes facilitadores dessa troca de informações.

As redações brasileiras, entretanto, não se encontram hoje qualificadas para este papel estratégico: da mesma maneira que ocorre em relação a outras questões prioritárias da agenda social, os profissionais de jornalismo sofrem com a ausência de um processo consistente de capacitação para a cobertura da pauta da deficiência. A lacuna tem origem no currículo defasado da grande maioria das faculdades de comunicação e se nutre da falta de interesse das empresas. Ambos os fatores contribuem de forma marcante para impulsionar a engrenagem da exclusão que cerca as pessoas com deficiência.

Isso não significa que faltem exemplos de bom jornalismo social na imprensa brasileira. A ANDI, que desde 1992 acompanha muito de perto o trabalho dos meios de comunicação das diversas regiões do País, regularmente tem a oportunidade de registrar a veiculação de expressivas contribuições da imprensa para o enfrentamento das mazelas que colocam em risco o desenvolvimento de nossas crianças e adolescentes. O problema é que na maior parte das vezes essas matérias ainda são mais o resultado dos esforços individuais do que de linhas editoriais consolidadas.

Para que a imprensa venha a desempenhar com eficiência o papel que lhe cabe no processo de construção de um País menos vulnerabilizado pelas injustiças sociais, será necessário, portanto, que se cristalize uma cultura jornalística suficientemente madura para pensar as questões inerentes ao desenvolvimento humano e à inclusão social como abordagem transversal à cobertura oferecida a todas as grandes temáticas nacionais.

Instrumento de transformação

As páginas de Mídia e Deficiência procuram oferecer a jornalistas, a estudantes, a professores de ComunicaçãoSocial e aos atores sociais da área da deficiência elementos que contribuam para a multiplicação e o aprimoramento do espaço dedicado aos direitos das pessoas com deficiência. Vale lembrar, ainda, que tanto quanto os profissionais de imprensa, esses atores sociais – governamentais, do setor privado ou da sociedade civil – são entendidos ao longo do texto a seguir como personagens prioritários no processo de democratização e de qualificação da informação.

O presente volume teve como ponto de origem uma análise aprofundada, de cunho quanti-qualitativo, sobre o tratamento dado pela mídia impressa brasileira aos diversos aspectos relacionados ao tema da deficiência. Elaborada por uma equipe de profissionais de jornalismo e consultores especializados, esta análise reconhece os méritos e diagnostica os principais problemas da cobertura. Fiel a seu teor propositivo, procura também apontar caminhos para que as redações possam responder à altura os muitos desafios colocados pela questão, que envolvem da discussão de preconceitos à investigação de políticas públicas.

Precisamos relembrar aqui, finalmente, que os direitos à educação, à saúde, ao convívio social, ao lazer, estão todos assegurados pela Constituição Brasileira – e que se aplicam a cada um dos cidadãos do País. Esta é a chave do problema: entender que pessoas com deficiência são cidadãs."

Texto: http://www.andi.org.br/inclusao-e-sustentabilidade/publicacao/midia-e-deficiencia e ANDI e Fundação Banco do Brasil

 

 

 

 

 

 

De Bebê Johnson’s a 'Breaking Bad': ativistas que tentam mudar a imagem da deficiência na mídia contam vitórias

 

Mônica Vasconcelos

Da BBC Brasil em Londres

 

Ao som da música suave e delicada, a câmera passeia pelo corpo do bebê, revelando, aos poucos, os gestos, as mãozinhas, os pezinhos. Até focar no sorriso contagiante e nos olhinhos característicos da síndrome de Down. Ao final do comercial de TV que viralizou no Brasil no dia das mães, o slogan diz: "Para nós e para todas as mães, todo bebê é um bebê Johnson's".

Em uma das séries mais populares da TV americana dos últimos tempos, Walter White Jr. é um adolescente cheio de vida. Com personalidade forte, questiona constantemente as decisões do pai, o personagem principal. O adolescente (assim como o ator que o interpreta, RJ Mitte) nasceu com paralisia cerebral. Tem a fala comprometida e usa muletas. Breaking Bad ficou no ar entre 2008 e 2013 e teve cinco temporadas.

Na novela da Globo, Luciana é uma modelo jovem, bonita e bem-sucedida. Sofre um acidente e fica tetraplégica. O público quer saber: ela voltará a andar? Luciana se apaixona, se casa, tem filhos. Ao final da novela Viver a Vida, exibida pela Globo entre 2009 e 2010, o público agora quer saber: ela vai ser feliz?

Na campanha publicitária interativa, consumidores são convidados a enviar ao fabricante de sabão vídeos e fotos de momentos reais de suas vidas. O anúncio resultante, no ar atualmente em televisões brasileiras, é uma colagem mostrando "a vida como ela é". Famílias de todas as raças e formas, em situações variadas, se revezam na tela. No meio de todos, um menino com síndrome de Down, a roupa toda suja. "Se sujar faz bem", é o slogan do Omo. Criança com deficiência também é consumidora. E também se suja.

A população da Terra ultrapassou os 7,5 bilhões em 2016. Destes, mais de 1 bilhão, ou seja, 15%, têm algum tipo de deficiência. No Brasil, o índice sobe para 24%.

Estima-se que menos de 1% dessas pessoas estejam presentes na mídia.

Os exemplos acima mostram, no entanto, que as coisas estão mudando. E por trás dessa transformação está o ativismo de pessoas que, com diálogo e muita paciência, trabalham para mostrar a roteiristas, publicitários e profissionais da mídia que existe um outro jeito de pensar - e de representar - a deficiência.

A BBC Brasil conversou com três dessas militantes: Patrícia Almeida, jornalista e fundadora da Gadim, Aliança Global para a Inclusão de Pessoas com Deficiência na Mídia e Entretenimento (e ex-jornalista do serviço brasileiro da BBC); Flávia Cintra, ex-diretora da ONG Centro de Vida Independente, hoje repórter do programa Fantástico, da TV Globo, e Patrícia Heiderich, publicitária e cofundadora do Instituto MetaSocial, ONG que trabalha por uma mídia mais inclusiva. Elas falam das vitórias do movimento e explicam seu impacto na sociedade.

Bebê Johnson's

 

"O simbolismo deste personagem é enorme pois o 'Bebê Johnson's' habita o imaginário da população como sinônimo de criança linda, saudável e feliz, como todas as crianças deveriam ser", comenta Patrícia Almeida em artigo publicado no site sobre inclusão e cidadania Inclusive.org.br.

O anúncio, do publicitário Nizan Guanaes, foi recebido com particular orgulho por duas pioneiras do movimento pela inclusão de pessoas com deficiência na mídia. Para entendermos por quê, temos de voltar no tempo.

Na década de 1990, a publicitária Patrícia Heiderich e a arquiteta Helena Werneck estavam cansadas de ver outras mães saírem do parquinho quando chegavam com as crianças para brincar. Decidiram tomar uma atitude.

"Tínhamos filhas com síndrome de Down e éramos felizes. Lembra do comercial da Doriana, da família feliz?", pergunta Heiderich. "Eu estudava publicidade e achava que poderíamos mudar o estigma que havia sobre Down por meio da televisão."

A dupla iniciou então uma verdadeira campanha para chegar a um publicitário cuja carreira despontava na propaganda brasileira: Nizan Guanaes. "A ideia era convencer Nizan a colocar alguém com síndrome de Down em uma propaganda no estilo família feliz."

Heiderich e Werneck se revezavam nos telefonemas. Todos os dias, lembra Heiderich, elas ligavam para a agência onde Guanaes trabalhava, a DM9, e pediam para ser recebidas por ele. O assunto? "É só com ele", vinha a resposta. Insistiram tanto que ganharam cinco minutos.

"Ele não se sentou. Tentamos contar da maneira mais rápida possivel que pessoas com Down podiam fazer um monte de coisas. Que a visão de incapacidade não era real. As pessoas não sabem. Não era maldade, mas a sociedade desconhecia. Ele virou, cruzou os braços e falou: 'Nunca pensei nisso. E gostei'."

Pessoas próximas ao publicitário dizem que ele não se lembra do encontro, mas em 1996 foi ao ar um anúncio institucional sobre síndrome de Down criado pelo publicitário Sérgio Valente, colega de Guanaes na DM9.

"Este é Felipe Badin. Está tocando O Trenzinho Caipira, de Villa-Lobos. E você, que música você toca?", dizia a narração. O filme mostrava apenas as mãos de Felipe tocando piano. No final do anúncio, ele virava o rosto para a câmera. O slogan dizia: "Quem tem síndrome de Down pode mais do que você imagina".

'Coitadismo'

 

Dois anos depois, a mesma agência produziu um novo anúncio sobre Down. Desta vez, explica Heiderich, o objetivo era desassociar a imagem da síndrome de Down de sentimentos de pena usados por instituições para pedir dinheiro à população.

O anúncio mostrava duas crianças brincando em um carrossel. Não havia narração, apenas música e legendas: "Carlinhos vai para a escola todos os dias, o amigo dele, não. Carlinhos faz aula de piano, o amigo dele, não". Num determinado momento, a legenda dizia, "Este é o Carlinhos." A câmera focava o rosto de um menino com Down. E depois: "E esse é o amigo dele. Ele é um menino de rua." A câmera mostrava a roupa puída e os pés calçando chinelo. No final, lia-se o slogan: "Milhares de crianças no Brasil precisam da sua ajuda. Portadores da sindrome de Down só precisam do seu respeito. A pior sindrome é a do preconceito." (Aliás, diz Heiderich, a palavra "portador" não é mais usada no contexto da deficiência.)

A ideia que embasa esse anúncio é central ao pensamento inclusivo, explicam as ativistas: inclusão não pode ser feita com base na pena. Aliás, essa ideia se aplica também ao menino de chinelo, o amigo de Carlinhos.

"Como é que você consegue ver competência em uma pessoa quando sente pena dela? Não podemos apelar para a pena porque estaremos dando um tiro no pé", diz Heiderich.

"Você doa para a Mata Atlântica ou para as baleias porque quer que continuem existindo, quer preservá-las, não por pena. O bebê com Down está sendo mostrado como uma figura de amor, como todos os bebes são. E não é porque tem Down, mas porque é um bebê fofo."

Empatia

 

Visto dessa maneira, o conceito de inclusão parece contrariar uma noção social básica. Quase como se fosse errado sentir compaixão por alguém.

"A palavra hoje é empatia. Você se identificar, se colocar na pele do outro, é fundamental", diz a jornalista Patrícia Almeida.

Do lado oposto, está o que os ativistas chamam de "coitadismo": "A ideia de que a pessoa com deficiência sempre precisa de ajuda", diz ela.

"Os que usam disso para arrecadar dinheiro dizem que os fins justificam os meios, mas o resultado para a pessoa com deficiência é terrivel. Aliás, quem tem de equalizar, igualar as oportunidades é o Estado. Isso é o que dizem todas as leis."

Para explicar melhor, Almeida cita o modelo de inclusão presente em séries de TV americanas como Breaking Bad e Switched at Birth. Elas incluem personagens com deficiências interpretados por atores com deficiências. Mas a última coisa que o espectador sente por eles é pena.

Em Breaking Bad, Walter Jr. tem paralisia cerebral, mas o foco não é esse. Ele é um adolescente como qualquer outro.

"É incrível como a mensagem tem a ver com a atitude da pessoa (que têm a deficiência) e das pessoas em volta. Se a pessoa com deficiência aparece na tela em situação de normalidade, ninguém fica protegendo ou dizendo, 'coitado do meu filho'. Você esquece que a pessoa tem deficiência depois de cinco minutos."

"Essa mídia tem esse poder. Se você não tem contato no seu dia a dia com pessoas com deficiência e vê essa pessoa na tela, incluída com naturalidade, você tende a incorporar essa atitude."

Na série Switched at Birth, as protagonistas são duas adolescentes que foram trocadas na maternidade. Uma delas é surda. Em cinco temporadas no ar, a série inclui cenas gravadas em total silêncio. Toda a comunicação se faz por língua de sinais.

"Me chama atenção por ter pessoa surda como personagem principal, (por apresentar ao público) o universo das pessoas surdas. Mas ela ser surda não é o foco. O foco é ela ter sido trocada (na maternidade)", diz Almeida.

"A deficiência é uma das características da pessoa, não é o ponto principal. A série é para adolescentes. (A trama) toca em todas as questões, o namorado, o primeiro emprego. E todo mundo junto, incluído. Surdos, não surdos… muito legal."

Deficiência e castigo

 

Além de mostrar a deficiência como algo natural, tramas como essas rompem com um velho vício dos contadores de história ao longo dos séculos: a associação da deficiência com a ideia de punição.

E, no caso do Brasil, nada como uma telenovela para ilustrar isso. "Na novela O Direito de Nascer (1964), um personagem malvado ficou deficiente, como um castigo", diz Almeida.

"Por outro lado, havia nas histórias personagens que perdiam a visão, paravam de andar, mas sempre surgia uma cura milagrosa e um final feliz. Você não podia ser deficiente e feliz ao mesmo tempo."

Mas também nas telenovelas as coisas vêm mudando. Com a ajuda, mais uma vez, de um empurrãozinho.

"A primeira novela com personagem positivo com deficiencia foi ao ar em 1986, Roda de Fogo, da Globo", conta Almeida. "Uma cadeirante, Rosângela Berman, soube que iam fazer uma novela e que ia ter um personagem cadeirante. Ela foi ao estúdio e viu que iam botar o garoto em uma cadeira de rodas de hospital e que (o personagem) ia ser deprimido. Então bateu um papo com os roteiristas."

Resultado? O personagem ganhou cadeira ultramoderna e teve até vida sexual na novela, algo sem precedentes na época.

"Alguém foi lá e falou, vem cá, por que vocês não fazerm assim?", conta. Desde então, autores de novela regularmente procuram consultoria de militantes pela inclusão.

Final feliz

 

A ativista Flávia Cintra, hoje jornalista da equipe do programa Fantástico, da Globo, deu consultoria ao escritor Manoel Carlos na novela Viver a Vida (2009), estrelada por Alinne Moraes.

Tetraplégica, Cintra era bastante ativa no movimento pelos direitos de pessoas com deficiência. Quando ficou grávida, sua gestação gerou grande interesse na mídia. Seu caso chegou aos ouvidos de Manoel Carlos.

 

 

 

"Por eu ser tetraplégica, por serem gêmeos, por ter sido uma gravidez natural", ela explica o interesse.

Tempos depois, Cintra foi convidada para ser consultora da equipe de roteiristas e também para orientar a atriz.

"Alinne Moraes era uma celebridade do primeiro escalão de elenco da Globo. Era a segunda protagonista, mas o envolvimento do público foi tamanho que ela acabou se tornando personagem central da novela", conta Cintra.

Viver a Vida teve, sim, um final feliz. E a personagem de Alinne Moraes, Luciana, não voltou a andar.

A inclusão na mídia tem o poder de mudar a cabeça do público, dizem os ativistas. Ela também fortalece a autoestima das pessoas com deficiência, que conseguem se ver e se identificar. E ainda transforma as vidas dos que já brigam por ela.

"Para mim, um divisor de águas foi (a novela) Páginas da Vida (2006), do Manoel Carlos, onde havia a personagem Clarinha, com sindrome de Down", diz Patrícia Almeida.

Clarinha fica órfã de mãe e é adotada por uma médica interpretada por Regina Duarte.

"É muito legal porque todo mundo adora a menina. No final, o pai de Clarinha luta pela guarda da filha com a médica. Ou seja uma criança com deficiência que todo mundo queria, um presente."

Almeida tem uma filha com Down. Ela ainda se emociona quando lembra de um capítulo em particular:

"Na época, minha filha tinha dois anos. Eu sabia da consultoria que estava sendo feita por trás da novela, conhecia as pessoas. Mas mesmo assim, quando a Regina Duarte falou, na novela, que a Clarinha era uma criança como qualquer outra, eu finalmente acreditei. Racionalmente eu já tinha entendido essas coisas, mas o que faltava era o emocional. Depois disso, não teve volta."

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-40969453

Em 2013 foi organizado por Tuca Munhoz, do Instituto Midi, o VI Encontro Internacional de Tecnologia e Inovação para Pessoas com deficiência, em São Paulo. A Inclusive - Inclusão e Cidadania, participou das discussões sobre mídia e deficiência, e Lucio Carvalho, Coordenador-geral, publicou o levantamento abaixo:

Por Lucio Carvalho
Coordenador-geral da Inclusive – Inclusão e Cidadania (www.inclusive.org.br)
Autor de Morphopolis (www.morphopolis.wordpress.com).

Dentro da programação do VI Encontro Internacional de Tecnologia e Inovação para Pessoas com Deficiência, que ocorreu em São Paulo, aconteceu uma série de mesas redondas destinadas a debater assuntos relacionados aos disability studies, ou estudos sobre a deficiência. A última delas, abordará os temas comunicação e deficiência. Ao lado de Jairo Marques, jornalista que atua na Folha de São Paulo e de Lara Pozzobon, produtora do Festival Assim Vivemos e diretora da Lavoro Produções Artísticas, debatemos como esses dois assuntos relacionam-se entre si e também com outros assuntos, em suas diferenças e peculiaridades. Não são, infelizmente, tão comuns as iniciativas de debater as relações entre comunicação social e o tema deficiência e, por isso mesmo, há uma gama bastante grande de temas a abordar.

Desde que, em 2003, a ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância e a Fundação Banco do Brasil trabalharam em uma pesquisa quantiqualitativa  sobre a emergência das temáticas da deficiência nos meios de comunicação, provavelmente nenhum trabalho tão abrangente e sistematizado foi realizado nesse sentido. Isso não significa que trabalhos pontuais, entre institucionais e acadêmicos, não tenham sido realizados no período, embora o âmbito predominante dos estudos sobre deficiência venha se configurando mais em outros campos do conhecimento, especialmente nas ciências da saúde e ciências sociais. O que se verifica, em decorrência disso, é a existência de lacunas consideráveis a respeito do conhecimento que se dispõe sobre a relação entre as duas temáticas.

Seria improdutivo procurar recuperar todo o apanhado e os achados daquela pesquisa sem que se pudesse atualizá-los efetivamente para, a partir daí, cotejá-los, embora esta seja uma demanda interessante a muitos atores sociais, como governos, movimentos sociais, associativos, etc. Por outro lado, os dados que procuramos levantar são bem menos específicos e realizados em uma metodologia diversa, tendo em vista a disponibilidade presente de novos recursos de tratamento e recuperação de informações, especialmente daquelas publicadas em meio digital no ambiente internet. Já do ponto de vista conceitual, as diferenças são menores, a não ser aqueles conceitos e realidades sociais que, no espaço de uma década, foram substancialmente modificados, como conceitos educacionais, dispositivos legais e outros.

Dessa forma, antes de partir a uma pormenorização maior, é preciso comentar que os dados obtidos tem caráter predominantemente quantitativo. Ainda que sua expressão permita algumas especulações de natureza qualitativa, isso apenas ocorre pela sua natureza de macroindicadores. Trata-se, portanto, não de um ponto de chegada de uma pesquisa extensiva, como a realizada pela ANDI em 2013, mas de um corte específico em uma realidade específica, talvez ponto de partida para análises e estudos mais detalhados e cuidadosos.

De um modo bastante geral, a relação entre meios de comunicação e as temáticas relacionadas à deficiência poderiam ser analisadas sob diversos critérios como, por exemplo, a forma, o conteúdo, abordagens, predominâncias conceituais e outros. No caso dos dados que queremos apresentar, nos fixaremos basicamente no tipo de ocorrência temática nos meios de comunicação e seus números no espaço preciso de tempo correspondente a um ano, considerando as informações disponíveis e indexadas pelas ferramentas de busca disponíveis atualmente e exclusivamente em informações da espécie “notícia” e “reportagem” e desconsiderando, para todos os efeitos, aquelas informações e conteúdos cujos proprietários reservam-se ao direito de organizar e disponibilizar por meios próprios.

Os dados exibidos no gráfico a seguir mostram exclusivamente a predominância temática de conteúdo jornalístico em relação aos temas transversais à questão da deficiência obtidos no período de tempo correspondente a junho de 2013 e junho de 2014, ou seja, são números absolutos de ocorrência obtidos em séries de recombinação pesquisados através do mecanismo Google News ©.

 

Além dos dados, obtivemos outros por cruzamentos que serão apresentados durante a mesa redonda, mas que necessitam ainda de alguma depuração, apesar de representarem algumas situações de forma bem clara, principalmente no que diz respeito ao conhecimento acerca da legislação interessante ao tema, educação e outros.

Em muitas análises jornalísticas e estudos acadêmicos sobre a relação entre os assuntos deficiência e comunicação social, é bastante presente a concepção de que o tema e subtemas são veiculados especialmente em datas comemorativas ou em função de outras variáveis menos conhecidas. Isso não explica, por exemplo, como o maior avanço legal obtido pelo movimento social das pessoas com deficiência, a aprovação com efeito constitucional da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, continue subalternizado em relevância e ocorrências a temas secundários. Caso compare-se os dados com outros temas – como saúde e educação, por exemplo – as diferenças fazem-se gritantes.

O que desejamos pensar a respeito disso sempre será menos importante que a realidade presente. Se os meios de comunicação produzem a informação ou, mais simplesmente, repercutem-na, isso ocorre a partir de uma determinada realidade social. O que os dados obtidos talvez nos indiquem seja onde a sociedade e o Estado poderiam atuar mais para concretizar um ambiente acessível e inclusivo. Mesmo que o tema venha continuar a ser, de certo modo, objeto de interesse mais ou menos restrito a instituições e agentes sociais envolvidos diretamente com as pessoas com deficiência, é preciso considerar que há mudanças em curso que são tanto resultado de políticas públicas governamentais como da ação social e civil propriamente ditas. Caso o conteúdo dos meios de comunicação sejam pensados como reflexo dos movimentos que acontecem internamente à sociedade então a própria deve ser capaz de provocá-los a ponto de refletir uma democracia e um estado de direito para todos, o que parece ser o desejo central de todos agentes sociais interessados às temáticas da deficiência.

Um capítulo a parte mereceriam as formas, terminologias, conceitos e preconceitos ainda elaborados e redigidos pelo jornalismo a respeito das situações de deficiência. Esse tipo de análise, contudo, já é bem mais presente graças ao envolvimento de entidades de defesa de direitos e do interesse do campo jurídico e de ciências sociais. Mas, diferente do aqui cogitado, esse é um tema que trata do “como” ao invés do “quando” e do “quanto”, não que tenha menor relevância, já que dá conta do imaginário, das narrativas e da representação real e simbólica das pessoas. Um capítulo a parte que merece ser tratado com mais cuidado que o disponível neste momento e que faz fronteira aos limites da linguagem e de como dispomos dela para considerarmos uns aos outros.

Fonte: http://www.inclusive.org.br/arquivos/26765

Televisão

na Rio 2016

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Mídia & Deficiência: quando e como

mídia e deficiência

Mídia: inimiga ou aliada da pessoa com deficiência?

Por Manoel Negraes *

Vivemos um momento complexo no que diz respeito à participação social das pessoas com deficiência. Por um lado, temos uma legislação específica avançada e o envolvimento cada vez maior do Ministério Público. Por outro, ainda encontramos no cotidiano atitudes preconceituosas e práticas discriminatórias que preservam e reproduzem concepções antigas e errôneas sobre as deficiências em diversas esferas sociais.

Hoje, após 30 anos da proclamação, pela Organização das Nações Unidas (ONU), do “Ano Internacional da Pessoa Deficiente”1, esta é a contradição enfrentada pela maioria desse segmento no Brasil. Ao mesmo tempo, tem sido cada vez maior o número de pessoas com deficiência e de organizações da sociedade civil que buscam, com diversas práticas e ações, tanto o cumprimento dos direitos conquistados nas últimas décadas como, também, uma reflexão mais profunda e eficaz em toda a comunidade acerca da diversidade humana.

Nesse contexto, a mídia é considerada, por muitos especialistas e representantes das pessoas com deficiência, uma grande aliada para a inclusão social, na medida em que esta pode exercer um duplo papel importante: fiscalizar o poder público em relação ao cumprimento das leis específicas e conscientizar a comunidade com informações que combatem atitudes preconceituosas.

No entanto, a maioria dos meios de comunicação de massa foca suas reportagens e programas nas pessoas com deficiência e não nas causas sociais da desigualdade e da discriminação – como nos obstáculos arquitetônicos, na péssima qualidade da educação básica, da reabilitação e da saúde preventiva e, sobretudo, na desinformação da população em relação ao tema.

Além disso, muitos profissionais dessa área ainda colocam as pessoas com deficiência como “heróis” ou “coitadinhos”. Dessa maneira, colaboram para a manutenção de estereótipos e estigmas construídos historicamente e cristalizados no senso comum que prejudicam as relações sociais entre as diferenças (inclusive utilizando termos como “especiais”, “vítimas”, “superação”, “sofrimento” etc.).

Assim, alguns assuntos como a acessibilidade, as características da síndrome de Down, da baixa visão e do autismo e a importância da Língua de Sinais Brasileira poderiam ser melhor trabalhados pelos jornais, emissoras de rádio e televisão e outros tipos de mídia. Mais ainda, esse campo de atuação poderia tanto inserir as pessoas com deficiência nos temas da vida cotidiana (ex: entrevistar um jovem com deficiência para uma matéria sobre juventude) como, também, incluir os interesses desse grupo nos debates mais amplos (ex: pautar a educação inclusiva nas discussões sobre a qualidade da educação em geral).

Portanto, a mídia só vai ser uma aliada concreta das pessoas com deficiência quando mostrar para todos que essa questão – o convívio entre as diferenças – exige uma responsabilidade de todos. O que esse grupo espera dos meios de comunicação de massa (e de outros setores da sociedade) é uma boa utilização das datas comemorativas relacionadas às pessoas com deficiência, mas, sobretudo, respeito e dignidade em todos os dias do ano.

Notas

1 esse era o termo utilizado na época.

* Manoel Negraes, cientista social, 32 anos. Trabalha na área de Mobilização Social da Unilehu – Universidade Livre para a Eficiência Humana (manoel@unilehu.com.br) e no projeto Minuto da Inclusão do MID – Comunicação e Cidadania (manoel.mid@gmail.com).

Fonte: http://www.inclusive.org.br/arquivos/22054

Pessoas com deficiência na publicidade – visibilidade só não é suficiente

 

Patricia Almeida

Nos últimos tempos temos tido a satisfação de ver grupos subrepresentados na mídia ganhando espaço e começando a refletir a realidade brasileira nas telas das tvs e nas redes sociais. Uma das áreas mais refratárias a mudanças culturais, a publicidade vem abrindo espaço para a diversidade, de maneira mais ou menos acertada.

No tocante às pessoas com deficiência, vimos um boom de representatividade. No último dia das mães, por exemplo, várias propagandas mostrando famílias com crianças com deficiência foram veiculadas. Uma delas foi especialmente feliz. A Johnson’s homenageou todas as mães apresentando um bebê fofo. O vídeo, que ia revelando pequenas partes de seu corpo, para no final focalizar em seu contagiante sorriso e olhinhos característicos da síndrome de Down viralizou no Brasil e no exterior, onde ainda são raros os comerciais com modelos com deficiência. O slogan da campanha era: “Para nós e para todas as mães, todo bebê é um bebê Johnson’s”. O simbolismo deste personagem é enorme pois o “Bebê Johnson’s” habita o imaginário da população  como sinônimo de criança linda, saudável e feliz, como todas as crianças deveriam ser. Um golaço, com milhares de mães consumidoras que nunca se sentiam representadas emocionadas curtindo e compartilhando.

 

Esta semana foi a vez do OMO contribuir para a publicidade inclusiva. A campanha #MomentosQueMarcam chama todos a participarem com fotos e vídeo de momentos de alegria e sujeira – que depois poderá ser facilmente lavada pelo sabão em pó. E até isso pode virar brincadeira. No vídeo de apresentação, imagens de duas crianças com síndrome de Down e uma autista, misturadas com negros, brancos, orientais, todos muito felizes. A vida como ela é. Diversa como a nossa comunidade. Outra bola dentro.

 

 

 

Já o creme contra assaduras Bepantol Baby, da multinacional Bayer, resolveu circular na contra-mão da inclusão. Decidiu usar imagens de crianças com deficiência todas juntas para lançar campanha de doação de 1 real por tubo de creme vendido para o Instituto Gustavo Kuerten. Convocou 6 crianças crianças que atendem esteticamente aos desejos das marcas, com síndrome de down e um menino com muletas que aparecem em um vídeo de 30 segundos. O ambiente etéreo reforça o esteriótipo de que pessoas com síndrome de Down são anjos. Como uma internauta comentou. ”Parece uma creche celestial pra crianças com Down”.

 

 

Em tempos de luta pela inclusão em que escolas particulares foram ao Supremo Tribunal Federal querendo barrar alunos com deficiência de seus estabelecimentos, a imagem passada pelo comercial é a de que crianças com deficiência devem frequentar lugares “especiais”, enquanto a legislação estabelece a inclusão em todos os ambientes, em igualdade de condições com os demais. Além disso, o comercial relaciona deficiência e caridade, outra ligação que o movimento das pessoas com deficiência se esforça para combater. A relação entre caridade e deficiência está tão enraizada em nossa sociedade que até os dias de hoje pessoas com deficiência relatam histórias de estarem desavisadamente esperando algo na rua e serem abordadas por alguém que quer dar esmola. Já pensou passar por isso?

As crianças do anúncio são lindas e, individualmente, poderiam ser modelos de qualquer comercial. O trabalho do Instituto Gustavo Kuerten é muito sério e empresas como a Bayer e outras devem apoiá-lo.

Saudamos e celebramos que as pessoas com deficiência e suas famílias sejam finalmente reconhecidas como consumidoras e estejam cada vez mais representadas nos comerciais. Mas, da próxima vez, sugerimos que a Bayer, outras empresas e agências de propaganda consultem pessoas com deficiência e profissionais de mídia antenados com o tema da diversidade. Porque a publicidade pode ser uma ferramenta poderosa na mudança cultural, mas visibilidade apenas não é suficiente. A mensagem e os valores que acompanham são cruciais. Nesse sentido, a publicidade como meio de comunicação tem o potencial de promover os direitos humanos e a inclusão ou prejudicá-los.

Patricia Almeida – Jornalista, mestranda em Estudos da Deficiência pela City University of New York, criadora da Inclusive – Inclusão e Cidadania, coordenadora Internacional do Instituto MetaSocial, criadora da GADIM – Aliança Global para Inclusão das Pessoas com Deficiência na Mídia e Entretenimento, da GADIM Brasil e membro do ODIMÍDIA – Observatório de Diversidade na Mídia. Co-fundadora do Movimento Down e membro do Conselho da Down Syndrome International.

Fonte: http://www.inclusive.org.br/arquivos/30436

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